Nos tempos em que vim emigrado para lisboa aí por volta de 1965 com 18 anos eram milhões os habitantes que Lisboa, Porto, Coimbra ou Setúbal tinham a viver nessas condições. As pessoas foram lutando por uma vida melhor e foram a pouco e pouco se libertando desse estigma de viver em barracas. Uns por iniciativa própria e sacrifícios mais ou menos elevados e outros com ajuda das autarquias foram conseguindo até chegarmos a cinquenta anos depois e quase não se ver uma barraca a servir como habitação. Aqueles que ficaram para trás e nunca saíram da chafurdice em que viviam há cinquenta anos nunca lutaram nem para pedir ajuda. São indigentes parasitas da sociedade e como tal merecem viver ou vegetar na mais profunda miséria. Não tenho pena nenhuma de quem se sujeita a viver assim. Normalmente vive assim para ser motivo de pena e ser ajudado até no pagamento da água que bebe mas como nem ajuda é capaz de pedir fica sentado numa pedra à espera que passe no local uma cadeia de televisão para ser motivo de pena e consequente ajuda.
Por isso é que padre de lá da paróquia dizia da outra vez ao atravessar a ponte de madeira onde a ribeira tinha um grande caudal: "Deus é bom mas o diabo também não é mau" E agora esta contava-se como verdade lá na minha aldeia: Na quinta da Avessada que fica entre Couchel e o Travasso havia um padre há muitos anos atrás que por acaso ou não alguém resolveu dar o nome dele a uma das ruelas da aldeia. Diz-se que tinha um caráter irrascível e sofria de dupla personalidade. Ouvi esta história aos meus pais ainda eu era chavalo: uma vez na altura do peditório da páscoa andando o homem mais o séquito lá pelas aldeias se depararam com uma travessia de uma ribeira com uma ponte periclitante e um grande caudal. Contava-se então que o velho padre Francisco já a meio da ponte se agarrou com as duas mãos à cruz e disse alto e bom som: Oh pá, Olha lá pela nossa vida. Se eu caio tu cais também. Mas havia mais.
O meu pai que se fosse vivo teria agora 110 anos contava-a como verdadeira mas havia outra do mesmo padre Francisco. Contava o meu pai que o padre Francisco além de muito bruto era também pessoa muito culta, ainda cheguei a ter na mão livros manuscritos por si e passava a vida a ler. Certa vez encontrava-se a ler numa das varandas do primeiro andar da casa e como estava vento um pessegueiro médio que havia no quintal não parava de abanar. O padre Francisco fervia com os nervos à flor da pele, desceu escada abaixo e com meia dúzia de safanões arrancou o pessegueiro pela raiz ao mesmo tempo que soltava um chorrilho de impropérios insultando tudo e todos incluindo o vento e o pobre pessegueiro.