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baú das alembranças

baú das alembranças

Conto A Epifânia

pretas.jpg

 

Conto
De M Odete S Silva com a devida vénia
A Epifânia
Epifânia é o seu nome.
Epifania, nome de origem religiosa que significa, aparição, boa nova.
Epifania, um metro e cinquenta de altura, talvez menos, talvez vinte e poucos anos, talvez trinta. Acabada de chegar de Cabo Verde. Epifania era de facto uma aparição, tímida e silenciosa, trabalhava na limpeza e estava grávida.
Todos os dias entrava na sala e sussurrava um bom dia. Limpava a medo e cuidadosamente o pó das secretárias, dos computadores, nos quais tocava muito ao de leve, não fosse estes começarem a mexer sem ela sequer perceber como, despejava os cinzeiros, os caixotes, deslizava silenciosa com a vassoura pelo chão, dava um toque nos vidros para tirar uma qualquer manchita, sim porque a empresa tinha dia certo para lavar vidros e persianas.
E assim silenciosa percorria todas as salas.
Não percebia parte das conversas e fingia que nada ouvia.
De vez em quando sorria e afagava a barriga, talvez para sossegar a criança que sentia viva dentro de si e dizer-lhe baixinho, não é este o futuro que espero para ti, dias melhores virão.
Ninguém se apercebia da sua presença e ela também não se fazia notada.
Num dia qualquer a Epifania adormeceu profundamente sentada na sanita da casa de banho e alguém, descuidada ou maldosamente, deixou a porta aberta e expôs o seu cansaço. A Epifania dormia, a porta ficou aberta e ela continuou a dormir. Dormiu toda a manhã.
A Epifania entrava num escritório ali para os lados do Campo Pequeno para fazer limpeza às 04.30 da manhã, passava para outro serviço no Lumiar às 08.30, fazia uma limpeza em casa duma senhora à tardinha, depois, e antes de regressar a casa, lavava uma escada num escritório de advogados.
Ela e o companheiro viviam de empréstimo na casa duns familiares ali para os lados da Cova da Moura.
A Epifania andava sempre a correr, atravessava meia Lisboa para chegar a casa depois de enfrentar longas esperas pelo autocarro em longas bichas e, se os transportes corressem bem, chegaria a casa lá pelas 23 horas.
Mas chegada a casa Epifania não se sentava para descansar de mais um dia de trabalho. Esperava-a um incontável número de tarefas, o jantar, a comida para as duas lancheiras com o almoço para o dia seguinte, a loiça para lavar, a roupa, passar e cozer, e ainda … um marido a quem era preciso dar alguma atenção, algum alento, fruir alguns instantes de ternura que o cansaço enfraquecia e ainda, afagar a saudade de uma filha de ambos que ficou para trás, entregue aos cuidados dos avós e muitas outras coisas de que a condição humana carecia..
Só depois desse labor de bilros de que muito poucos de lembram e que faz o conforto de tantos que o desconsideram, depois sim, quando os outros já dormiam, ela esquecia o cansaço, sentava-se num banco na cozinha, ligava a televisão e via as novelas, via as novelas e sonhava. Olhava com enlevo as casas bonitas, as mulheres bonitas, as roupas, os sapatos e sonhava, sonhava e sorria. Alisava a cabeleira, pintava-se, vestia-se com as roupas garridas e sonhava, e mais uma vez, acariciava a barriga sorrindo e murmurando baixinho,
…. um dia os meus filhos vão ter tudo isto.
Termino lembrando Clarice Lispector: Todos os dias ela deixa os sonhos na cama, acorda e põe a roupa de viver.

 
Foto de Carlos Matos Gomes.

Os putos que morrem de fome

Os putos que morrem de fome são tão bem educados...

Pe. Guies Gilbert

Os putos que morrem de fome são tão bem educados.....
Não falam com a boca cheia.
Não desperdiçam o pão.
Não brincam com o miolo fazendo bolinhas.
Nem fazem montinhos na borda do prato.
Eles não têm caprichos.
Eles não dizem: "não gosto disto".
Eles não fazem caretas quando se lhes põe o prato à frente.


Os putos que morrem de fome são tão bem educados...
Não bulham para terem bombons,
Nem dão aos cães a gordura do fiambre.
Não sobem para o nosso colo,
Nem vão a lado nenhum,
pois têm o coração tão pesado e o corpo tão fraco...
que vivem de joelhos...
Tranquilizai-vos! Os putos que morrem de fome não vão gritar.


Estas criancinhas são tão bem educadas...
Choram sem barulho, não as ouvimos.
São tão pequenas que as não vemos.
Não vão gritar, não têm forças...
Só os seus olhos podem falar...


Os putos que morrem de fome são tão bem educados...
Cruzam os braços sobre o peito e ventre inchado,
E posam para o fotógrafo europeu,
Que fará uma boa reportagem.
Morrerão lentamente... sem barulho... sem incomodar...
Estas criancinhas são verdadeiramente bem educados.

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Foto de Artes & Poesias.

Saudosistas do passado


«De Carlos Esperança com a devida vénia.



Os saudosistas do passado e os adeptos do antigamente é que era bom não se lembram disto»



Já tem a barriguinha cheia, falam de peito feito.


 


Lembro-me de grupos de mulheres a regressarem das hortas, à tardinha, acompanhadas de crianças, que paravam para mijar antes de chegarem à aldeia. Alargavam as pernas e esvaziavam a bexiga gerando um rego de urina que a terra seca do caminho extinguia. A pressão na saia, com uma das mãos, enxugava a última pinga pendente. Era o fim de um ritual coletivo, antes de retomarem a marcha em direção a casa, para prepararem a ceia.


 


Os garotos usavam calções, com uma racha atrás que, sem cuecas, facilitava o alívio das necessidades fisiológicas. Nunca encontrei um cronista que, recordando os odores de então, divulgasse os hábitos aceites com a naturalidade com que, no séc. XVIII, na corte francesa, se instruíam os criados a não oferecer os penicos antes das refeições, para não as retardarem.


 


As aldeias não tinham saneamento, água canalizada, luz ou telefone, e percebe-se bem a inutilidade de outros móveis reservados à higiene, além da bacia ou lavatório, do jarro da água, penicos e, nas casas ricas, do bidé, com um suporte em ferro, e da banheira de zinco, encostada à parede, após os banhos, à espera de uso na semana seguinte.


 


A falta de casa de banho não constituía um problema. Havia sempre um curral e para lá das ruas e das casas, as instalações sanitárias eram o que a vista alcançava. O problema era a falta de papel, a ausência de folhas de árvore cuja dimensão poupasse os dedos, e a aspereza das pedras mais próximas.


 


Imagino a náusea da simples referência às condições de então, mas quem as viveu ainda recorda o cheiro das pessoas e a condescendência das pituitárias quando as próprias ruas eram cobertas com folhas de carvalho e de castanheiro, à espera da decomposição com a urina que escorria das cortes, para servirem de húmus nos terrenos pobres das aldeias do distrito da Guarda.


 


O banho, com as precárias condições, a distância da fonte e a necessidade de lenha para aquecer a água, era um hábito exótico que tornava inútil o conselho de um livro escolar, «deve-se tomar banho uma vez por semana», e supérfluo o incentivo da professora.


 


Sentadas na soleira das portas, nas tardes de Verão, as mães aliviavam a comichão dos filhos, ripando-lhes o cabelo e catando-lhes as lêndeas e os piolhos da cabeça, com o pente da caspa, onde os esmagavam com a unha do polegar. Nas casas, tantas vezes de terra batida, pulgas, percevejos e melgas eram os parasitas que conviviam com carraças, moscas, melgas e mosquitos, na biodiversidade que o habitat propiciava.


 


Se o banho era um hábito ignorado, os inseticidas eram totalmente desconhecidos. Até os escaravelhos, que devastavam a rama da batateira e impediam a produção de batatas, eram catados à mão e metidos num balde para servirem de banquete às galinhas.


 


Os homens, especialmente os fumadores, aliviavam o catarro disparando ruidosamente escarradelas, a longa distância, numa espécie de desporto com que procediam à higiene brônquica. Era uma liberdade e o direito consuetudinário dos meios rurais.


 


Na cidade da Guarda, as exigências legais comuns a todos os centros urbanos, proibição de andar descalço, mendigar ou vadiar, dispensavam a publicidade. Incumbia à PSP a prisão dos prevaricadores.


 


Quem se deslocava a pé, descalço, para poupar o calçado, calçava-se antes de entrar na cidade. Era o respeito que as aldeias deviam à cidade, onde, além dos constrangimentos sociais e das proibições legais exigidas, mas omissas, havia outra, afixada em lugares visíveis, nas repartições públicas: «É proibido cuspir no chão».



Nas aldeias havia mais liberdade. Aliás, ninguém cuspia no chão. Incumbia à gravidade depositar as secreções que os soalhos, ao contrário da terra, não absorviam.


 


Valia o desvelo do Governo que zelava para que não faltassem, nas repartições públicas, os escarradores. Havia-os dentro e fora do balcão, respetivamente para os funcionários e para o público.


 


Quem viveu esses tempos recorda-se da falta de pontaria dos utilizadores, que erravam o alvo. Hoje, perante tais secreções, um geólogo julgaria ver estalactites e estalagmites, que ignorados sais escureciam, e um médico certamente faria o diagnóstico diferencial, por mera observação, do tabagismo e da tuberculose.


 


Que tempos! E que raio de ideia a do cronista, a de trazer a escatologia para a mesa da escrita e servi-la aos leitores, como se fosse iguaria!



Jornal do Fundão, 23 de novembro de 2017

O Funcionário Público



Nesta altura do campeonato não há funcionário público que não proteste, reivindique, ou simplesmente ponha em causa o sistema, mas também não há ninguém que não continue a dar o cú e oito tostões, como se diz na minha terra, para pertencer à função pública.



Ora se o Estado fosse assim tão mau patrão como querem fazer crer, não andava tudo ò tio ò tio para ser funcionário público desde cantoneiro, coveiro, auxiliar de limpeza, professor, general ou Juiz.



Porquê?



Ora!.. Porque no sector privado, eu, operário da construção civil, por exemplo, exerci atividade durante 52 anos com horários de 48 horas semanais, depois 45 e só muito mais tarde 40, até chegar à reforma aos 63 com 46 anos de descontos para a Segurança Social.

No fim desses 46 anos acabei a atividade proffissional no topo da profissão com uma reforma de cerca de 900 euros.



Tenho na familia um ex-PSP que nunca passou de agente de segunda classe esteve ao serviço 35 anos a maior parte do tempo na secretaria com horário de 35 horas e tem uma reforma de 1.200 €.



Porra para isto. 


 

 

A marcha da quinta da Coelha

A MARCHA DA QUINTA DA COELHA
Lá vai a marcha da Quinta da Coelha
Falta o oliveira e costa,
pra fazer uma parelha.
Logo atrás com os olhos na carteira
Lá vai todo contente
O ricardo oliveira
Com o catroga aos saltinhos
a pensar no trabalho
Vai também de saco cheio
o arlindo de carvalho
e todo bem regalado
vai o dias loureiro
a pensar no bom recato
onde está o nosso dinheiro
mas ainda há muitos mais
que na foto não se vêem
mas o povo sabe conhece bem
A seita do BPN.

 
Foto de canal #moritz @Ptnet.

Queres o quê? Ganhar 2.000 euros?

 

A ASM Industries está a investir €30 milhões numa nova fábrica, mas tem dificuldades em contratar

 

A minha experiência de mais de trinta anos a trabalhar na industria da ferrugem como é conhecida a electricidade a metalurgia e a metalomecânica, era capaz de me levar a dizer a este senhor e a outros que sabem muito de trabalhar na ferrugem mas nunca saem da alcatifa e do ar condicionado, que as contas não são assim e que portanto está deliberadamente a mentir.
Fala em remunerações de 1.500 ou 2.000 euros, mas eu que andei nessas vidas conto a história de outra maneira.
E...u que era técnico qualificado, já em fim de carreira, tinha como salário base 850 euros dos quais me eram retirados 11% (93€)para a Seg. Social e 8% (72€)de IRS. o que dava + ou- 685 €.
Como trabalhava deslocado fora da região toda a semana, tinha um subsídio diário de 40€  diários para comer e dormir, 1.200 €/mês, se a empresa não tinha transporte próprio pagavam a viagem e para estarmos às 08 horas no local de trabalho e sairmos às 17 h pagavam as horas necessárias para deslocação.
Feito o somatório recebia-se sim 1.500 € ou mais e era nisso que a malta que não saia da alcatifa pensava quando viam os nossos recibos ficavam a pensar que era o nosso vencimento.
Mas volto a dizer: Já como técnico qualificado o meu vencimento limpo eram cerca de 685 €.
Agora há outra coisa. Os contratos, muito, mas muito raramente são noutros termos que não os incertos e são sempre ao sabor das encomendas tanto do estrangeiro como da própria Iberdrola.
Eu já deixei a atividade há cerca de dez anos, mas tenho amigos também eles técnicos qualificados que ainda tem estes vencimentos que referi.
Essa dos 1.500 ou 2.000 euros é uma mentira com todas as letras.
Nem os engenheiros com experência ganham isso.
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