Com cinco anos apenas e já não vivendo na casa da Tapada de Vale de Vaz, o Linito que vivia agora em Couchel costumava andar na companhia dos irmãos mais velhos e da avó Adelina lá pelos campos, estradas, caminhos e matas a apascentar as poucas ovelhas e cabras que a familia possuía e levá-las a passear enquanto se alimentavam da erva e arbustos que se criavam libremente.
O pai tinha ficado com autorização de levar o gado a pastar nas terras onde antes tinha sido caseiro embora já lá estivesse instalada outra pessoa que se dedicava à criação de gado leiteiro e precisava de criar condições para montar uma vacaria.
Quando o outro senhor se instalou na casa onde tinha-mos nascido e vivido, precisou de fazer algumas obras de adaptação para a actividade que queria instalar.
As obras lá corriam no seu ritmo normal e o Carlos, um dos seus irmãos mais velhos, já com treze anos andava a trabalhar lá como servente de pedreiro para ganhar uns trocos e dar alguma ajuda nas despesas da casa.
O Linito com os seus cinco anitos queria era brincadeira e mandar pedras à pobres das ovelhas e cabras para as desviar para sitios onde poderiam pastar mais à vontade, mas nas suas correrias descobriu que os figos da figueira já estavam comestíveis.
Estávamos na época dos figos lampos e numa figueira que havia ao fundo do terreno, o Linito e a avó Adelina apanharam meia dúzia de figos para comer na ocasião e então o Linito lembrou-se do irmão que andava do outro lado da estrada a trabalhar na obra.
Agarrou em quatro figos e foi lá presentear o irmão com uma merenda tão expontânea como frugal.
Entregou os figos ao irmão e regressou rapidamente para junto da avó e das ovelhas que tinham ficado no sitio da pastagem.
Todo contente com a façanha de ter ido entregar os quatro figos com que pensava matar a fome ao irmão regressou a correr e nem se lembrou de fazer cuidado ao atravessar a estrada nacional Nº17 entre Coimbra e a Guarda.
Felizmente que aí por 1952 o transito era reduzido e os carros que passavam eram poucos e ou só de vez em quando.
Mas calhou ir nesse preciso momento a passar uma carrinha verde de dois lugares na direcção de Coimbra e o Linito não teve tempo para nada tal era a velocidade com que vinha a correr ao descer a ladeira que separava a casa da berma de estrada.
Podia ter sido atropelado pela parte da frente e podia ter tido consequências graves, mas não foi. Bateu com toda a força que a velocidade lhe deu, contra a parte lateral da carrinha e estatelou-se no chão.
Nada de grave, a não ser o susto mas a verdade é que o homem que vinha a conduzir saiu rapidamente da carrinha, agarrou no Linito ao colo para o acalmar, mas o Linito que chorava que nem um bezerro desmamado, tremia como varas verdes e começou a mijar-se todo pelas pernas abaixo.
Vieram a correr os trabalhadores da obra, veio a correr o irmão, todo assustado, veio a correr a avó já velhota também toda assustada, o que é natural, mas nada se passou.
São estes episódios sem importância que ficam e marcam as lembranças do que aconteceu numa infância já remota.
São estes episódios que ficam, marcam a memória, enraizam-se e permanecem vivos para o resto da vida.
Foram-se as Indulgências... (Conto) – Texto de fim de semana
Jerónimo Felizardo estava a aliviar do luto a que a perda da amantíssima esposa, Deolinda, o obrigara. Não se pode dizer que lhe fora muito dedicado em vida nem excessivamente fiel. Mas habituara-se a ela como um rafeiro ao dono que o acolhe.
Sentia-lhe agora a falta. Deolinda de Jesus dera-lhe tudo. Mesmo tudo. Até o que é obrigação e nela nunca foi devoção e, muito menos, entusiasmo. Deu-lhe independência económica, boa mesa, respeito e uma filha. Deixou-lhe uma pensão de professora, metade do ordenado do 10.o escalão, que acrescentava a outros proventos e o punham ao abrigo de sobressaltos.
Com a filha não podia contar. Fora para Lisboa frequentar a Universidade Católica, a cujo curso e influência deve hoje o desafogo em que vive e o lugar importante no Ministério. Metera-se no Opus Dei e enjeitou a família. Mesmo a mãe, a quem fora muito chegada, só lhe merecera duas breves visitas nos três anos de doença prolongada com que Deus quis redimi-la do pecado original.
Era natural que substituísse as visitas por orações, que não exigiam deslocações nem hora certa, que haviam de prolongar a vida e o sofrimento, assim Deus a ouvisse. E ouvi-la-ia de certeza porque, além de omnipotente e omnisciente, vinham duma devota fiel à instituição que o Papa amava quase tanto como à bem-aventurada Virgem Maria.
A poucos meses de fazer meio século Jerónimo empanturrava-se de comida que Carolina, afilhada do crisma de D. Deolinda, se esmerava a cozinhar com um desvelo que a filha nunca revelara. Bem sabia que a gula era um pecado capital, mas que a prática e o exemplo eclesiástico largamente tinham despenalizado. Nem mesmo o Prefeito para a Sagrada Congregação da Fé, tão cioso guardião da moral e dos bons costumes, o valorizava demasiado. A gula não é propriamente a luxúria, que é das maiores ofensas feitas a Deus, pecado dos maiores e, de todos, o que mais contribui para a perdição da alma.
Em tudo o mais era Jerónimo um viúvo exemplar. Dera-se à tristeza e à oração. Arrependia-se das vezes em que não cumpriu o dever da desobriga, da frequência escassa à eucaristia, das missas a que faltou, em suma, das obrigações de cristão que não cumpriu com a intensidade, duração e frequência que recomendava a Santa Madre Igreja. Mas, de tudo, o objeto maior de arrependimento era o adultério que cometera e em que, sempre confessado, reincidiu.
Mas isso terminara há muitos anos. A infeliz que seduzira casara e virara fiel ao marido a quem agradecia tê-la recebido canonicamente apesar de saber que já não ia como devia. Conformado, não se importando de ficar com mulher que já não ia inteira, nunca suspeitou de ornamentos de homem casado, sempre julgou que o autor era um antigo namorado que a morte por acidente impediu de reparar a desonra.
Desse pecado se redimira já, pela confissão, penitência e promessa de nunca mais pecar. Agora, à castidade que se impunha, ao cumprimento dos mandamentos a que se devotara, juntava uma vontade forte de conquistar indulgências nesse ano 2000 do Grande Jubileu.
Bem sabia que as indulgências requerem sempre a confissão sacramental, a comunhão eucarística e a oração pelas intenções do Papa, condições sine qua non para a sua obtenção. Quanto às disposições para a sua aquisição não era difícil cumpri-las. Bastava peregrinar a uma Basílica, Igreja ou Santuário designado para o efeito, e eram várias as opções na diocese, e rezar o Pai-nosso, recitar o Credo em profissão de fé e orar à bem-aventurada Virgem Maria, tarefas de que se desobrigava com prazer e entusiasmo. Mesmo a recomendável contribuição significativa para obras de carácter religioso ou social estava ao seu alcance e não deixaria de fazê-lo.
Embora gozando de excelente saúde e de razoáveis análises nunca é demasiado cedo para o sincero arrependimento e cuidar da alma. Veio a calhar o ano do Grande Jubileu que Sua Santidade avisadamente instituiu nesse Ano da Graça de 2000.
Jerónimo tomou como bênção do Céu ter ficado Carolina a cuidar dele. Antes de se recolher ao quarto rezavam os dois, todos os dias, por D. Deolinda, Esposa e Madrinha, respetivamente, para que a sua alma mais célere entrasse no Paraíso, aliviada das penas do Purgatório.
Passava os meses dedicado à oração, à penitência e à agricultura, outra forma de penitência que alguns teólogos interpretam como a mensagem do anjo do 3.o segredo de Fátima. Disse-me um crente praticante, e não incréu militante, que a penitência que o anjo três vezes pediu era uma forma de exigir dedicação à agricultura, modo de empobrecer e salvar a alma, vacina contra os sectores secundário e terciário onde os homens perdem a fé e a Igreja os fiéis.
No primeiro dia de maio, a seguir ao jantar, horas depois dos comunistas ateus se terem manifestado nas ruas de Lisboa e Porto, enquanto Carolina ficou a arrumar a cozinha, foi Jerónimo ao mês de Maria, ato litúrgico que na sua cidade de província sobreviveu à conversão da Rússia e à consagração do Mundo ao Imaculado Coração de Maria.
À saída da igreja entrou no carro, dirigiu-se à quinta que distava duas léguas da cidade, deu um bocado de conversa ao caseiro e uma olhadela às vitelas, distribuiu-lhes ele próprio um pouco de ração, mandou verificar a pedra que tapava o buraco das galinhas para protegê-las da raposa, deu a bênção aos afilhados, filhos do caseiro, e regressou à cidade onde viveu em vida de D. Deolinda, por vontade dela que detestava a lavoura e o campo, e vivia agora por hábito e fidelidade à memória da falecida.
Ao regressar a casa admirou-se de ver todas as luzes acesas, exceção para o seu quarto que a luz do corredor iluminava discretamente.
Ia entrar em busca da santa Bíblia quando, sobre uma colcha de seda, na cama, deparou com o corpo esbelto de Carolina, esplendorosa escultura de 20 anos à espera de ser percorrida, vestida apenas de penumbra e longos cabelos castanhos esparsos sobre o peito, donde brotavam túmidos mamilos à espera de afago.
O quarto parecia iluminar-se progressivamente. Já uns lábios carnudos se ofereciam sequiosos e um corpo arfava em pulsações rápidas, num incontido furor de ser possuído, numa ânsia insuportável de ser saciado, primícias ávidas em busca de serem saboreadas. Jerónimo sentiu sobrar-lhe roupa e minguar-lhe a resistência.
Em 1955 com sete anos e alguns meses, o Linito andava na segunda classe do ensino primário na escola Primária de Vale de Vaz.
Franzino mas espevitado, no fim adas aulas lá ía mais a Noémia, a Manela e o José António, arranjar comida para as ovelhas que na altura em que as terras estavam todas com culturas de milho, trigo, batatas ou as videiras cobertas de folhagem e uvas, não permitiam que se andasse por ali com as ovelhas nas pastagens.
Então era necessário encontrar erva ou outros vegetais para alimentar o gado que ficava nos currais por tempo indeterminado.
Nesse dia foi só o Linito mais a Noémia à procura de comida e foram com uma corda e uma cesta a Vale do Forno buscar um molho e uma cesta de rama das videiras que o pai tinha andado a desramar na no dia anterior.
A Noémia era muito bruta e com mais ou menos dez anos, fazia cada carrego que depois se via às aranhas para trazer para casa, tal como aconteceu nesse dia fatídico.
Tinha o Linito o seu carrego já feito e estava pronto para regressar a casa, a Noémia pede-lhe ajuda para colocar em cima da cabeça a enorme cesta de rama que tinha mais de meio metro de altura.
Desce para dentro do barroco para aproveitar o desnível e o Linito em cima na borda do barroco tantava a todo o custo levantar o carregamento até à altura da cabeça dela.
Como o peso era grande e também não havia condições, puxa para lá, puxa para cá e eis que os dois se desiquilibram e vai a cesta para o chão, o Linito mergulha de cabeça dentro do barroco e a Noémia mergulha de cabeça na terra batendo com ela contra uma videira.
Entre choradeira e asneiredo de criar bicho vamos avaliar os danos, vimos então que a Noémia tinha um grande galo na testa e o Linito tinha o pulso direito virado do avesso e a inchar rapidamente.
Dali à casa do Ti Joaquim Catrapeiro que morava nas casas do Ti João de Vale do Forno era um saltinho e lá fomos os dois pedir socorro à mulher que coitada, pouco poderia fazer.
Ao Linito deu-lhe dois esticões no braço e colocou uma ligadura bem apertada , à Noémia colocou um pacho de água fria que aliviou a dor pelo menos por algum tempo.
O Linito tinha a prova de passagem para a terceira classe marcada para o dia seguinte e não podia faltar sob pena de ficar mais um ano na segunda classe e isso estava fora de questão.
Então com o pulso direito ligado e quase sem força para segurar a caneta lá fez a prova coforme foi possível mas passou para a terceira classe.
No dia seguinte foi ao hospital e constatou-se que tinha o rádio ou o cúbito partido.
Embora não tivesse achado grande piada, tanto o Doutor Vicente como o Sr Ferraz enfermeiro, fizeram-lhe uma grande festa pelo feito heroicamente conseguido.
Fazer a passagem de ano escolar com o braço direito partido não era feito para qualquer um.
Foi um acidente rodoviário de grandes dimensões aquele em que o Linito se viu envolvido por volta dos seus três anos de idade.
Junto da casa de caseiros onde vivia com os seus pais e irmãos, na Tapada de Vale de Vaz, havia um declive em rampa com três ou quatro metros de altura e que os irmãos Carlos e Alcides utilzavam para fazer grandes gincanas com os seus camiões feitos de corcódoa, que com os seus poderosos motores roncavam serra acima e serra abaixo, esforçando-se ao máximo para conseguirem vencer as íngremes subidas e descidas carregados de toros de pinheiro para abastecer as fábricas de serração da zona e que eram muitas.
Um dia a mãe mandou-os irem ao pinhal buscar uns cavacos que o pai tinha estado a rachar no cabeço, junto ao monte da pedra e que era preciso trazer para a lareira, para o forno e para o fogão.
Agarraram no carro de mão e num machado e pinhal acima lá foram tratar de cumprir a tarefa dada pela mãe, como não podia deixar de ser com o Linito nos os seus três anos foi atrás deles.
Pinhal acima e com o carro vazio, a tarefa foi fácil e até deu direito a boleia para o pequeno que certamente iria todo contente pelo passeio com os irmãos mais velhos e pela viagem no carro de mão.
Carro de mão carregado, não sei sei com muito ou pouco, passa-se uma corda para segurar a lenha e o machado e trata-se do regresso a casa, cerca de cem metros ou nem tanto.
Como o regresso era sempre a descer e o esforço não era muito, encavalitaram o Linito de novo no carro de mão em cima da lenha e toca a fazerem-se ao caminho.
No declive de que falei atrás e para transitarem os ditos camiões feitos de corcódoa tinham-se construído estradas com a largura de uma mão de través que subiam e desciam como se fossem as estradas da serra da Lousã, então os nossos amigos, fosse qual fosse que trazia o carro de mão, deduzo que fosse o Carlos que era o mais velho, lembrou-se de meter a roda do carro numa dessas estradas, construída para tudo menos para a roda de um carro de mão carregado de lenha, um machado e o Linito em cima.
Com nove anos o Alcides e onze o Carlos, a brincadeira nesse dia correu mal.
Houve uma fratura na estrutura da estrada , a roda do carro de mão deslizou e lá foi o carro de mão, a lenha, o machado e o Linito aos trambolhões pelo declive abaixo.
Resultado: Os prejuízos materias não foram nenhuns mas o Linito ficou com o braço esquerdo feito em três. Uma fractura mesmo em cima do cotovelo não era propriamente uma boa coisa, principalmente para quem vivia no campo e do campo, onde o dinheiro era muito escasso, onde já havia seis filhos, uns para criar, outros para acabar de criar e onde os meios de assistência médica eram praticamente inesistentes.
Cerca de três meses para trás e para diante a caminho do hospital em Coimbra, onde os médicos ou médico atamancou o braço de qualquer maneira e onde depois de ser retirado o gesso se viu que o braço estava deformado, mas nada havia a fazer a não ser partir o braço outra vez para corrigir o defeito ao que a mãe se opôs ferozmente e ainda hoje passados quase setenta anos o Linito tem o braço esquerdo deformado mercê de um sapateiro que se fazia passar por ortopedista pediátrico.
Nada de grave se entender-mos que mesmo assim cumpriu sempre com as misões em que se meteu, casou, foi pai, desempenhou sempre as várias profissões com brio e foi militar onde também sempre desempenhou as tarefas que lhe foram atribuídas.
Antes de mais nada quero pedir desculpa mas estes senhores não tem nada a ver com Poiares ou arredores só utilizei as suas fotos para dar uma ideia do que pretendo. Depois corrijo.
Figuras típicas e atípicas de Vila Nova de Poiares e Arredores?
Gostava de elaborar com a vossa ajuda,uma espécie de colectânea dedicado às figuras típicas ou atípicas que povoam as nossas recordações de infância e adolescência.
Não é minha intenção fazer algo de depreciativo, mas tão só recordar pessoas que saíam fora da normalidade e que vagueavam pelas aldeias e vilas da região, sobrevivendo como podiam, alimentando-se do prato de sopa ou do naco de broa que almas caridosas lhe davam, vestindo a roupa que lhes era oferecida pelas pessoas e dormindo muitas vezes ao relento ou onde os deixavam, em palheiros ou barracões, por vezes no curral dos bois, enrolados em palha ou algum cobertor oferecido pela Cáritas, pela Associação de São Vicente de Paula ou pelas pessoas. O que vestiam ou que comiam era normalmente dado por outros pobres porque os ricos ou mais abastados, normalmenente ao pedido de esmola respondiam com um " Deus o ajude".
Muitas das vezes vi eu correrem com eles e enquantp uma família pobre era capaz de partilhar a sua parca refeição dando um prato de sopa ou um bocado de broa os mais abastados tirando raras excepções expulsavam-nos da sua porta.
Lembro-me do Fernando da Moendinha, do Manel do Vilar, do Gregório, do Adelino do Forcado, Da Prazeres de Couchel, do doidinho da Várzea, do Adelino do Forcado, do Augusto da Segundeira. E havia o Gineto da Algaça que se fazia de deficiente mental e fisico mas que era um grande manhoso.
Trazia normalmente um grande cajado que utilizava como apoio para se deslocar mas uma vez fui a segui-lo em silêncio e ele pensando que estava sozinho colocou o cajado debaixo do braço e deixou repentinamente de cochear.
O Zé Pito de Framilo era outro manhoso. Trabalhar não era com ele e tinha quatro ou cinco filhitos para criar, então andava a pedir com a ninhada atrás dele cheios de fome e mal vestidos.
Não havia assistência social nem CPCJ nem nada dessas coisas que há hoje.
Lembro-me de algumas histórias da minha infância que os adultos alimentavam acerca destas personagens. De alguns deles fugíamos como o diabo da cruz.
Lembro-me do Fernando da Moendinha, que quando andava mais excitado ralhava com todos e tudo o incomodava.
Diziam que era volta de lua
Parece que havia uma história de amor mal resolvida. Eu era pequenito e ouvia no meio dos pinhais os seu gritos de protesto contras tudo e e contra todos e que me metiam um medo de morte.
Até porque trazia sempre um cajado do seu tamanho, o qual levantava acima da cabeça e com que ameaçava as pessoas com quem se cruzava.
Mas que me conste, nunca agrediu ninguém.
Chamava era muitos nomes e dizia muitas asneiras.
O Ti Manel das Linhas, percorria as aldeias em redor com um caixote pendurado ao pescoço por uma corrente de bicicleta e a vender. Vendia fósforos, linhas. fitas de nastro a metro,elásticos, agulhas, desentupidores para o fogão a petróleo alfinetes, palitos ou tabaco. Cigarros kentucky, provisórios, definitivos, mata-ratos ou onças de tabaco holandês. Era sobretudo peculiar o seu grito ao cimo do lugar a anúnciar a chegada.
" Quer nada meu hojiiiim"
Morreu num barracão, acompanhado pelas gentes da aldeia que o aconchegaram na morte como tantas vezes lhe aconchegaram o estômago.
Soube-se mais tarde que tinha bom pé de meia no banco mas à responsabilidade de pessoas da sua confiança.
Havia a Prazeres de Couchel: andava por lá sem orientação nem apoio, era uma pessoa completamente descompensada, vivia num barracão sozinha pegado com a casa das irmãs que lhe iam dando alguma coisa para comer. Muito pouco já que eram pessoas que viviam praticamente sem nada, na mais completa pobreza. Não havia médico, não havia nada. e a Prazeres quando doente curava-se como se curavam a maior parte das pessoas.
Bebia muito e nas tardes de chuva e frio era frequente vê-la toda encharcada a andar por lá e os homens na sua ignorância enchiam-na de vinho e aguardente até cair e muitas vezes encontrava-mos a Prazeres a dormir na rua debaixo de chuva gelada e completamente bêbeda.
Foi recolhida já no pós 25 de abril na associação e internada numa casa especialmente criada para o efeito e morreu mesmo assim já bastante velhinha.
Havia também o Manel do Vilar, que fazia muito bem de funcionário zelador da autarquia. Eram peculiares sa suas gargalhadas que surgiam do nada e sem qualquer razão aparente.
Quem não se lembra dele vila abaixo e vila acima sempre atento e dilgente e por vezes a vender bilhetes para utilizadores do sanitário instalado no centro da vila ( Se vai fazer chichi não paga nada, se vai fazer outra coisa são dez tostões) Dizia ele.
Claro que ninguém ia fazer outra coisa, a casa de banho era insuportável, não se podia permanecer lá dentro tal era a falta de higiene e a maior parte das vezes não havia água ou estava tudo entupido e nem luz eléctrica tinha.
Não sei qual foi o fim do Manel do Vilar mas acho que morreu atropelado.
E o Gregório?
Incansável o Gregório trabalhava nas obras da câmara penso que de graça, não sei quem o alimentava mas a verdade é que com ele o carro de mão era um autêntico rali sempre a correr e apitar pelo meio dos outros trabalhadores.
Também não sei como foi o seu fim mas penso que também foi recolhido pela associação. e morreu no lar.
Havia o doidinho da Várzea de Gois
Figura imponente que metia medo mas não fazia mal a ninguém.
Eramos pequenitos e víamo-lo chegar ao lugar vestido de fato preto e gravata.
Parava nos cruzamentos, colocáva-se na posição de sentido, ia fazendo a rotação para a direita e fazendo continência para todas as saídas do cruzamento. Se apanhava a porta da rua aberta ou no trinco entrava pela casa dentro atéencontrar alguém e colocando-se atrás da pessoa que encontrava pedia café. Lá comia um prato de sopa e um bocado de broa e saía como entrou. A única coisa que pronunciava era, café.
Nem por favor, nem obrigado, nem nada. Era cada susto, estar uma pessoa sozinha em casa e de repente olhava para trás e lá estava ele.
O Zé Pito era de Framilo. Manhoso e calinas quanto baste, com uns poucos de filhotes e a viver com uma pobre mulher que se alimentavam da fome, da indigência e da negligência viviam como animais selvagens, fazia biscates e recados a quem lhe pedia mas era mais normal encontrá-lo de saco às costas a pedir esmola para dar comer à companheira e aos filhos.
Na Marmeleira, Ponte Velha, havia a familia dos Sinoites, bêbados mas trabalhadores, trabalhavam à jorna na agricultura a cavar e a roçar mato.
Ainda há o Tiago de Vale de Vaíde, mas esse é um finório. vive da pensão da Segurança Social, 260 mocas, almoça na Assistência Social, a irmã cuida dele, da sua higiene e do seu bem estar. Passa o tempo a passear e calcorreia quilómetros para todo o lado. É frequente encontrá-lo a caminho da vila ou a caminho da Lousã ou no seu regresso. e passa grande parte do tempo na pesca de rio onde raramente apanha um peixe.
Se ficou algúm por mencionar e acharem útil, fica por vossa conta. Mas não encerro o rol sem fazer jus ao Celestino Escaldatário também conhecido como o 29
O nome de 29 era uma istória antiga propagandeada e apregoada aos quatro ventos pelo seu pai, Ti Alberto Escaldatário, que nunca houve a certeza de ter sido verdadeira.
O Celestino não batia bem da caixa dos pirolitos, mas era protegido de muita gente de Poiares e andava sempre impecavelmente vestido, alimentado e limpo nas festas onde fazia soar uma corneta de latão como as dos antigos carteiros já com décadas de uso.
As aventuras do Linito. Tragédia no Rossio de Vale de Vaz Corria por aí o ano de 1951 ou 52 e o Linito como de costume foi com a Alice para o Rossio de Vale de Vaz para andar por ali enquanto ela lavava a roupa no barroco que corria pelo meio do largo. Havia uma pequena ponte com cerca de um metro de largura e dois de altura que tinha como resguardo dois pilaretes e um varão de ferro. - Sai daí Linito, dizia Maria Augusta, que nesse momento lavava a roupa na levada em conjunto com a Alice e a Carmina, ainda vens cá parar abaixo. O Linito queria lá saber, nos seu quatro ou cinco anos, empoleirado no ferro, balançava para trás e para diante, entretido com a chiadeira que o ferro já curvo fazia. - Sai daí Linito, dizia a Carmina, olha que tu cais para a água e constipas-te. Pois sim, é o sais. Vai que não vai, mais meia dúzia de balanços e o Linito, catrapuz com as costas no barroco. Grande choradeira como seria de esperar, a Maria Augusta despiu-o todo, enrolou-o numa toalha e lá foi carregada com ele ao colo levá-lo a casa, distante dali uns duzentos ou trezentos metros já que a Alice teve de largar a lavagem da roupa e regressar também a casa com o alguidar da roupa, metade lavada e metade suja. Mias ou menos pelo mês de março a água ainda corria fria vinda das encostas do Azarve, Valeiro das Hortas e Vale de Viegas, mas o Linito acho que não se constipou com o banho forçado. Lembras-te Alice? E depois a crianças de hoje é que são traquinas!...