A comunicação de Cavaco Silva, de 22 de outubro, a indigitar Passos Coelho para primeiro-ministro é um involuntário tratado sobre o absurdo. A arenga de um homem que perdeu a memória e desconhece a história do seu país, mesmo aquela do tempo que viveu.
Cavaco Silva apresentou como argumentos para recusar um governo do Partido Socialista com o apoio do Bloco de Esquerda e do Partido Comunista que estes partidos eram contra a NATO e não eram “europeístas”, por serem contra o Tratado Europeu e a Moeda Única, o Euro.
Esqueceu-se de que só em 1990 se converteu à igreja “europeísta”. Até aí tinha sido um eurocético, aliado de Margaret Thatcher e, tal como ela, defensor de que a Europa não fosse além um Mercado Único, sem união económica e monetária, sem euro.
Só os planos conhecidos por Quantum I e II (1990-1995) promoveram a sua adesão àquilo que viria a ser a sua conversão ao “europeísmo”. Quanto a europeísmo, Cavaco é um cristão-novo, com o típico excesso de fanatismo e de descaramento dos recém convertidos.
Quanto à NATO, Cavaco Silva ignora que Portugal entrou para a Aliança Atlântica porque os Estados Unidos necessitavam de bases nos Açores e não por Portugal ser uma democracia europeia, ou por o governo de Salazar ter sido um aliado dos Aliados na II Guerra.
A NATO não contribuiu para a instauração de um regime democrático em Portugal. Antes pelo contrário, os ingleses e os americanos preferiram apoiar Salazar após o fim da guerra com medo de que a oposição viesse a integrar comunistas e socialistas. O insucesso da tentativa de golpe de 1947 (Abrilada de 47) é a prova. Tivesse Cavaco Silva lido, ou pedido que lhe lessem, as memórias do embaixador inglês em Lisboa, Ronald Campbell, e ficaria informado. A Espanha, uma ditadura, como Portugal, porque não tinha os Açores, ficou de fora da NATO. Em suma, não pertencemos à NATO por mérito democrático, mas geográfico: temos os Açores.
Cavaco Silva não conhece a História de Portugal da época da II Guerra Mundial e do pós-guerra, mas custa acreditar que tenha esquecido personalidades com quem privou durante os anos 80 e 90 em que foi primeiro-ministro e que foram responsáveis pelas decisões que conduziram ao que classificou de “europeísmo” .